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Portal Movente • jul. 06, 2020

Dúvidas sobre saúde mental?

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Entrevista Psiquiátrica: o passo a passo para conhecer seus pacientes

Não há como pular essa etapa: em algum momento, você, pessoa que atua com saúde mental, vai sentar-se em uma poltrona e dar início a ela, a Entrevista Psiquiátrica. Após anos e anos de experiências, quero compartilhar com você os passos para fazê-las sem erros! Pessoal, eu nomeio como Entrevista Psiquiátrica pois sou Psiquiatra, ou melhor, trabalho como Psiquiatra. No entanto, entendo que esta entrevista é para todos nós Psi, logo, vou chamá-la de Entrevista Psi! Ela é pra você!


Vem comigo nessa jornada Movente, né? 


Eu não tenho dúvidas de que os sistemas de manuais classificatórios das doenças psiquiátricas e a modernidade dos métodos diagnósticos tenham avançado muito. No entanto, acredito que a Entrevista Psiquiátrica ainda é um recurso indispensável para obter informações e avaliar seus pacientes com mais profundidade.


Qual a finalidade da Entrevista Psiquiátrica(Psi)?


A Entrevista Psiquiátrica (Psi) tem como objetivo permitir que a pessoa entrevistadora (você) possa observar o funcionamento mental do paciente e extrair dados que ajudarão a concluir se aquela é ou não uma pessoa portadora de algum transtorno.


Para além disso, a Entrevista Psi , avalia o grau de comprometimento que a doença acarreta, bem como o lado sadio da sua personalidade.


Ou seja, a gente está falando de um instrumento essencial para a realização dos tratamentos psiquiátricos e, principalmente, das psicoterapias. 


Este é um atalho para criar uma relação profissional com o paciente, desenvolvendo o clima para que possa haver um sentimento de confiança, expectativas positivas de ajuda, um vínculo afetivo que espante os medos e crie condições para o sucesso do tratamento.


E tudo bem se você se sentiu em um labirinto até agora…


É isso mesmo. Você já pode ter se visto diante do infinito labirinto de possibilidades e desafios que é o seu ou sua paciente: o medo diante da situação pode te paralisar, uma vez que você pode não saber qual caminho percorrer ou direção tomar. 


Não é raro que eu também me sinta assim, viu?


E tudo bem. Afinal de contas, eu preciso seguir em frente com o desafio de vasculhar cada detalhe da vida, cada desejo motivador, cada tristeza que motiva a dor, cada medo arrebatador, cada felicidade que arrebata a dor.


Sim… cada qual com e na sua loucura, formando uma dupla inseparável de viajantes da mente, pois, de verdade, vasculhar a mente do outro é também vasculhar a própria mente — o processo não mente, né?


E para te ajudar em meio a este “labirinto”, quero explorar alguns pontos da Entrevista Psi. 


Quais são os pontos da Entrevista Psiquiátrica (Psi)?


Você pode encontrar na Entrevista Psi  várias finalidades, como a avaliação psiquiátrica/psicológica do paciente, entrevistas preliminares da psicanálise, realização de perícias, ensino, etc.


A trilha:


a) a realização da anamnese psiquiátrica (por exemplo); 

b) a realização do exame do estado mental; 

c) o estabelecimento do diagnóstico (ou de hipóteses diagnósticas); 

b) indicação ou não de tratamento; 

c) como recurso terapêutico (psicoterapia); 

d) realização de perícias; 

e) obtenção de dados para pesquisa; 

f) ensino. 


A estrada:


Considerando a maneira como você vai conduzir a entrevista, que chamarei aqui de "estrada", a entrevista pode ser inteiramente estruturada ou padronizada, semi-estruturada, ou minimamente estruturada — isso é com você. 


Porém, todas as entrevistas psiquiátricas têm alguma estrutura, como um tempo mínimo limitado e um determinado objetivo, ok?


Você, ou a pessoa entrevistadora pode ser totalmente diretiva quando aplica um questionário padronizado, ou com um mínimo de direcionamento em entrevistas cuja regra é a livre associação, como na psicanálise. 


A entrevistas de avaliação costumam ser mais abertas e menos estruturadas no início da avaliação e mais dirigidas ao final. 


AGORA, POR FAVOR, PESSOA PENSANTE: Lembre-se: o seu ou sua paciente não é um programa para fazer nele (a) um checklist!


Não nos parece interessante fazer perguntas contendo somente os critérios diagnósticos do DSM 5 ou do caduco CID-10 — nem mesmo o futurístico CID-11 que promete chegar em 2022. Estes manuais tem a intenção de organizar os transtornos mentais e do comportamento em “caixinhas”, contribuem na comunicação entre profissionais de saúde mental e na pesquisa.  Usá-lo como sua lista de perguntas a serem feitas pode limitar muito seu conhecimento sobre o paciente!


Vejamos como não fazer:

Você está com humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias? 

Você apresentou acentuada diminuição do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades, na parte do dia?


Nossa sugestão:

Como você se sentiu nos últimos dias?

O que normalmente você gosta ou tem prazer em fazer? Você tem feito? Tem tido prazer nestas atividades?


Mais elegantes, certo?


Sobre a Anamnese Psiquiátrica:


Neste ponto da nossa jornada, preciso te contar um pouco mais sobre a Anamnese Psiquiátrica pois, além de ser um Psiquiatra, eu não teria capacidade de instruir você nas entrevistas específicas dos outros trabalhadores da saúde mental, como Psicólogos, Psicanalistas, Terapeutas Ocupacionais, Enfermeiros, Técnicos em Enfermagem e todas as outras pessoas apaixonadas pela saúde mental. 


Mas adianto que acredito que a estrutura abaixo pode contribuir para o seu encontro com os (as) próximos (as) pacientes.


Descubra as características da Entrevista Psi


Antes mesmo de organizarmos todos os itens para a Entrevista Psi, pergunte a si mesmo (a): o que estou procurando neste paciente? As respostas podem ser variadas:


  • Busco estabelecer um contato emocional e criar um clima favorável para a comunicação de emoções perturbadoras, mas também das felicidades.
  • Quero ouvir e compreender essa pessoa em sua relação com o meio (família) no qual cresceu e se desenvolveu e com as pessoas significativas de sua vida; 
  • Ter um interesse preferencial e essencial por suas emoções e sentimentos; 
  • Valorizar seu passado procurando identificar períodos críticos, vivências, vulnerabilidades que possam ter contribuído para sua saúde ou sua doença; 
  • Identificar vulnerabilidades biológicas como a história médica de sua família, bem como a dinâmica de relacionamentos. Detalhe: com a família original e com a família constituída;
  • Avaliar as características pessoais do paciente como temperamento, caráter, traços predominantes de sua personalidade, suas forças, fraquezas, formas de reagir diante de estresses ou períodos críticos da vida;
  • Um dos nossos objetivos é obter dados e informações do paciente, de realizar o levantamento dos seus sintomas atuais e passados, com uma descrição objetiva e detalhada.


Agora que você já tem em mente aquilo que deseja encontrar neste ou nesta paciente, quero te ajudar a organizar a Entrevista Psi em alguns itens:



1 Identificação


Vamos a um exemplo prático para que você não negligencie a importância deste momento em sua próxima entrevista psi. Imagine que você chega ao local e se depara com esta pessoa (eu):


Ou esta:

Ou esta:

Ou esta:

E essa?

E essa senhora simpática?


Pois bem. 


Viu só? Você também pode se sentir incomodado (a) diante de um ou uma terapeuta da saúde mental. Você pode pensar: "o que eu vou falar?”, "O que é que ele vai me perguntar?”, "Vou saber responder?”, "Será que eu vou esquecer de algo?”, "O que ele vai pensar de mim?”, "Enfim, o que é mesmo que vim fazer aqui?”.


Nesta fase, a de identificação, o (a) profissional de saúde deve registrar dados do paciente, como nome, idade, naturalidade, residência, estado civil, profissão, sua família, entre outros.


Também podemos recorrer a diferentes fontes da história, como amigos ou familiares, distinguindo tais informações de pessoa a pessoa, é claro. 


E quando a gente dá a oportunidade do (a) paciente falar livremente da sua biografia, ou do que ele bem entender inicialmente, gera-se um conforto e uma tranquilidade para a dupla, ou seja, paciente e médico (a). 


Minha dica para este item é chamar o (a) seu (sua) paciente pelo nome por diversas vezes ao longo da consulta. Isso gera uma sensação de proximidade, consideração e respeito.



2 Motivo da Consulta


Aqui, é hora de registrar o motivo pelo qual o (a) nosso (a) paciente recorreu a consulta. Seja um atendimento eletivo em regime ambulatorial ou emergencial em regime de internação. 


Por exemplo: um (a) paciente encaminhado por médico (a) endocrinologista em razão de quadro de tumor grave ou um (a) paciente encaminhado de médico (a) psiquiatra para realização de psicoterapia cognitivo comportamental ou terapia ocupacional, etc.



3 Queixa principal


Este item se difere do item anterior porque devemos registrar as próprias palavras do paciente. Deixa eu te dar um exemplo: “Não sei o que estou fazendo aqui, minha mãe me trouxe por obrigação!”


Note que a queixa principal do paciente pode não estar alinhada ao real motivo da consulta, ok?



4 História da doença atual (HDA) ou história da moléstia atual (HMA)


Neste tópico, devemos responder, obrigatoriamente, a três perguntas essenciais: quando a enfermidade se iniciou? Como ela se iniciou? Como está evoluindo? 


Para os médicos (as), psiquiatras ou não, registramos aqui as medicações usadas atualmente e é importante notar o impacto da doença sobre a vida daquela pessoa.


Minha sugestão é a de fazer uma regressão na história “psi” do paciente de, no máximo, seis meses — períodos maiores do que este registraremos no item abaixo.



5 História Psi pregressa (HPP)


Aqui nós não registraremos a história patológica pregressa, mas a história psiquiátrica do paciente. Para pessoas não médicas, registraremos a história “psi” do paciente. A descrição deve ser pormenorizada de todo o passado remoto “psi” do paciente.


Algo como um dossiê psíquico (quase um Sherlock Holmes da mente, né?). :)



6 História médica


Registre, em ordem cronológica, os problemas médicos/cirúrgicos relevantes e a condição clínica atual do paciente. 


As medicações clínicas também são apontadas neste item. Não é pelo fato deste item ser nomeado como história médica que ele se restringe apenas aos médicos, pois inúmeras doenças clínicas possuem uma repercussão psíquica, muitas das vezes, grave. 



7 O uso de substâncias


Este item você só encontrará na nossa Entrevista Psi. Pois, normalmente, o registro de uso de substâncias psicoativas acontece na história da moléstia atual, na patológica pregressa ou na história médica. 


No entanto, levando em conta a grande importância dessa condição, criamos um item especial para o registro do uso de substâncias psicoativas. 


E também, para não nos esquecermos! Mesmo se a razão do atendimento for o uso dessas substâncias, esse item deve ser mantido. 


Outro exemplo: podemos atender um usuário abusivo de cocaína que faz uso de cafeína. Logo, o cafezinho da tarde seria registrado neste item, entendeu?



8 História social / pessoal


Essa parte é simples: anote TODA história de vida do seu paciente. É isto mesmo, desde o relacionamento dos pais/mães até os dias atuais. Tudo isso é importante para nós. 


Você pode fazer assim:


a) História pré-natal/nascimento: gestação, o parto, as condições do nascimento, incluindo peso, anoxia, icterícia, distúrbio metabólico, etc.

b) Infância e desenvolvimento: as condições de saúde; os comportamentos e hábitos com relação ao sono, alimentação, a vida escolar, início da aprendizagem, o ajustamento, o temperamento, medos, o relacionamento e interação social.

c) Adolescência: os interesses, as aquisições quanto à vida escolar, a profissionalização ou trabalho, as interações e o relacionamento com familiares e colegas, a sexualidade incluindo a menarca, namoro, a primeira relação sexual, o uso de drogas ou álcool. 

d) Idade adulta: situações e as atitudes frente ao trabalho, a vida familiar e conjugal, a sexualidade, os relacionamentos e a situação socioeconômica. 


Pontos de observação importantes:

  • Trabalho: o tipo de atividade, a evolução, as interrupções, as mudanças, o nível de satisfação e as dificuldades relativas à competência e aos relacionamentos. 
  • Família e relacionamentos: relações anteriores, as condições do casamento, as características do/da cônjuge, separações, a sexualidade, a idade, sexo e as condições físicas e psicológicas dos filhos dos relacionamentos passados.
  • Sexualidade: checar informações sobre as experiências sexuais, as dificuldades de relacionamento, contracepção, gestações e abortos. 
  • Os relacionamentos também englobam a convivência social nas rotinas de vida, no lazer, na situação familiar, de vizinhança e de trabalho. 
  • Situação socioeconômica: condições de moradia, as fontes de provisão de recursos, as dificuldades financeiras e os planos e projetos futuros.

Dentro da história social/pessoal é importante tentarmos identificar traçarmos traços da personalidade do (a) nosso (a) paciente que nos chame a atenção.



9 História familiar


Você pode coletar dados sobre a família, relativos ao sexo, idade, nível educacional, atividade profissional, características de personalidade, problemas de saúde, com destaque aos relacionados à saúde mental. Observar história de adoção, de suicídio e de violação da lei ou dos padrões sociais.


Caso os pais ou irmãos/irmãs sejam falecidos, especifique a causa da morte e a idade na ocasião.


Outros detalhes importantes incluem o ambiente familiar e o nível de interação, os padrões de relacionamento dos pais entre si, com os filhos e destes entre si.


Uma dica durante a entrevista psiquiátrica: você pode registrar a história familiar do (a) paciente e dividir da seguinte forma:


  • Família original, estudo estático (heredograma) e dinâmico (relações familiares);
  • Família constituída, estudo estático (heredograma) e dinâmico (relações familiares).



10 O Exame Psíquico


Achou desafiador até este momento da Entrevista Psi? 


Os desafios não acabaram por aqui, ser pensante! O exame do estado mental (exame psíquico) é uma avaliação do funcionamento mental do paciente, no momento do exame. É o registro das funções psíquicas com base nas observações que foram feitas ao longo da entrevista. 


É diferente do tradicional exame físico médico, que é realizado após a entrevista com paciente, combinado?


No exame psíquico, as anotações deverão ser feitas de forma que alguém de fora da área “Psi” possa compreendê-las. Os tópicos do exame psíquico apontam para os diferentes aspectos da vida psíquica do indivíduo e devem ser investigados minuciosamente.


Lembre-se de usar a forma de parágrafo para cada um dos assuntos, sem titulá-los. No exame psíquico, não usamos termos técnicos; estes devem ser empregados posteriormente na súmula psicopatológica.


A divisão das funções psíquicas para o registro do exame do estado mental é um ato meramente didático e organizador, pois o psíquico é único e reúne todas essas funções psíquicas para um funcionamento mágico! Legal, né?


E para te ajudar a recordar todas as funções psíquicas e registrá-las em um exame psíquico super legal, bolamos o Relógio Psíquico Movente!


Assim, ficamos orientados ao exame: baixe grátis seu Relógio Psíquico Movente aqui!


Mais um detalhe: vou te confessar algo… um exame psíquico bem redigido é a maior prova da capacidade técnica de quem o realizou. Será a sua assinatura pessoal de sucesso total! Um verdadeiro arraso!



11 Súmula psicopatológica


Depois que você realizar e redigir o exame psíquico, insira na súmula os termos técnicos que expressam a normalidade ou as patologias observadas no paciente. 


Porém, também quero te contar que, em 10 anos de profissão, eu me deparei com pouquíssimas súmulas psicopatológicas. Verdade maior seja dita, eu esbarrei com pouquíssimos exames psíquicos registrados. 


Então, sendo sincero e direto: se você redigir um ótimo exame psíquico usando os termos técnicos para as alterações das funções psíquicas, não será esquecido jamais!


12 Hipótese diagnóstica


“Diagnóstico” é uma palavra de origem grega e significa “reconhecimento”. No ato médico, refere-se ao reconhecimento de uma enfermidade por meio de seus sinais e sintomas. Vale lembrar que o diagnóstico não é uma particularidade apenas do médico.


Podemos citar os diagnósticos estruturais da psicanálise, como neurose, psicose e perversão. E também não é demais lembrar que poderá haver um diagnóstico principal e outros secundários, em comorbidade — agora falando do diagnóstico médico psiquiátrico.



13 Exame físico


Para os profissionais da saúde mental que tiverem a oportunidade e o conhecimento para realizar um exame físico, lembre-se, ele é imprescindível. 


Muitas manifestações psíquicas têm sua etiologia em uma doença clínica. Para citar algumas delas, atenção ao hipotireoidismo ou hipertireoidismo, infecções de toda ordem levando ao delirium, alterações neurológicas, etc. 


Minha sugestão, para você que “desbravou” o corpo do (a) paciente: dê ênfase ao exame do sistema endócrino e neurológico.



14 Exames complementares


Aqui registramos os exames laboratoriais, exames de imagem, testes genéticos ou qualquer outro dado de exame solicitado por nós ou trazidos pelo paciente.



15 Tratamento


Nesse item, registramos toda conduta de tratamento disponibilizada dispensada ao nosso paciente. Desde acompanhamentos em psicoterapias, quanto a terapia psicofarmacológica, quando esta for indicada. 


Pode também incluir atividades lúdicas, reuniões terapêuticas, trabalhos com terapias ocupacionais, acompanhamento fonoaudiólogo, etc. Registre todo acompanhamento terapêutico do seu paciente, pois cada parte do tratamento é imprescindível para a boa evolução do caso. 



16 Proposta


Não se esqueça dos esquecimentos (rs)! Engraçado, porém, anote o que não foi questionado nesta consulta e deve ser lembrado em um próximo encontro, além das propostas de condutas futuras.


Mais um exemplo: questionar sobre as relações entre os pais ou pesquisar sobre práticas esportivas ou pensar em reduzir a medicação, etc.


Ufa! Será que chegamos ao final desta jornada? Na verdade, é apenas o começo! 


Lembre-se de que a Entrevista Psi é um recurso terapêutico de suma importância que vai te ajudar a guiar o tratamento e, mais que isso, que pode já ser uma primeira experiência de abertura ou desabafo do (a) paciente.


Por hoje, vou parar por aqui e, em nossas próximas publicações, podemos conversar ainda mais sobre Entrevista Psi. O que acha? Comente, compartilhe e vamos trocar ideias!


Vamos organizar esta história?! Clique aqui e baixe seu roteiro de Entrevista Psi!


Até lá!


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